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Foto do escritorJuan Ricthelly Vieira da Silva

BAR DOS CORNOS

Um tradicional reduto de apoio e acolhimento dos gamenses traídos



Por Juan Ricthelly


A Quadra 30 do Setor Oeste do Gama é conhecida nos quatro cantos do Distrito Federal pelos seus belíssimos jardins, que são o resultado do trabalho de um dos líderes comunitários mais queridos e respeitados de nossa cidade, o meu mestre e amigo Seu Formiga, mas lá também tem um atrativo que chama bastante a atenção das pessoas, o Bar dos Cornos.


Quem chega é recebido por uma cabeça de boi com chifres, na parede principal entre as duas entradas viradas para a rua, com a seguinte frase logo abaixo:


“Chifre é igual consórcio, quando você menos espera é contemplado.”


E a coisa não para por aí, toda a decoração do bar é voltada para essa temática, as portas dos freezers de cerveja são repletas de memes, piadas, imagens e frases sobre chifre, traição e alertas de cuidado com o “fura-olho”.


Há itens bastante curiosos, como uma lista que classifica 47 espécies de cornos, um crânio de boi com máscara contra a COVID, carteirinha da Associação dos Cornos de Brasília, certificado de corno e um chapéu com chifres para quem quiser tirar foto e ter uma lembrança da visita!


O dono do bar é o Walter (46 anos), natural de Limoeiro-PE, radicado no Gama há 30 anos, popularmente conhecido como, o Buchada, que é o outro nome do bar.


“É Bar do Cornos ou do Buchada?” – perguntei.


“Os dois! Tanto faz!”


Foi a primeira vez que conheci um estabelecimento que tem dois nomes que são igualmente reconhecidos pela clientela. Pessoalmente prefiro Bar dos Cornos, por ser engraçado, mais marcante e com um toque especial de personalidade.


Enquanto novos bares abrem e fecham todos os dias, o Bar dos Cornos segue firme e forte há 20 anos na Quadra 30 do Oeste, com uma clientela cativa e um público consolidado, afinal cornos e chifres são coisas que nunca acabam e ter um bar que acolhe esse público com bastante humor e um bom atendimento, é seguramente um diferencial que falta por aí.


Quando perguntando sobre a razão do sucesso do seu estabelecimento, o Buchada respondeu com um sorriso:


“Eu chamo todo mundo de corno! E o pessoal sempre volta.”


A ORIGEM DO CHIFRE NA CULTURA BRASILEIRA


As explicações sobre a origem do uso dos termos “corno” e “chifrudo” não são poucas, e não há um consenso sobre essa questão, mas na nossa cultura em especial, pode ser que a razão esteja nas leis que regiam o Brasil no período colonial.


Entre 1500 e 1822 o Brasil foi colônia portuguesa, por não ser um país ou uma nação soberana, estava sujeito ao que fosse determinado pela metrópole, e essas determinações estavam expressas nas Ordenações do Reino, que costumavam levar o nome do rei que as editasse, se fossem as do Rei Afonso, seriam as Ordenações Afonsinas, do Rei Manuel, Ordenações Manuelinas, do Rei Felipe, Ordenações Filipinas.


As Ordenações Filipinas vigoraram de 1603 até a nossa Independência em 1822, eram compostas por cinco livros que continham os regimentos dos magistrados e oficiais de justiça, regulava as relações entre Estado e Igreja, continha processo civil e comercial, direito das pessoas, das coisas e direito penal.


Nesse conjunto de leis, havia determinações expressas que regulamentavam a questão do adultério, e a classe social do “Ricardão” era um aspecto fundamental da questão, se ele fosse pobre, o marido traído deveria matá-lo e tinha autorização expressa para fazer o mesmo com sua esposa, podendo pedir ajuda de outras pessoas. Se o traidor fosse nobre, nada poderia fazer.


E caso o marido fosse conivente com a traição, ele e a esposa deveriam usar em público algo semelhante a uma grinalda ornada com chifres para que todos o reconhecessem como um homem que não “honrou” a sua condição de homem.


Ou seja, basicamente quem era nobre tinha licença para trair sem medo de ser punido, e o “corno” era praticamente obrigado a matar o seu desafeto. Já as mulheres, poderiam perdoar seus maridos caso descobrissem alguma traição.


Se a nossa sociedade já é machista hoje, essa lei reflete o quanto era naquela época, e obviamente houve e ainda há desdobramentos na nossa cultura e realidade atual. Não por acaso, não são poucos os relatos de homens que assassinaram suas esposas e foram absolvidos pelo tribunal do júri, com a invocação da tese de defesa da honra, que felizmente se tornou obsoleta, absurda e inaceitável.


Nosso primeiro Código Penal é de 1830, e apesar de ter sido considerado um avanço em relação às Ordenações do Reino, o Adultério ainda era criminalizado, sendo acompanhado pelo de Código de 1940, que inovou com a criminalização do adultério masculino, sendo formalmente descriminalizado somente em 2005.


Para além de aspectos legais, o chifre e a traição sempre estiveram presentes em nossa cultura. O maior mistério da literatura brasileira não por acaso é o seguinte:


Ela traiu ou não traiu?


O debate segue aberto e pulsando 140 anos depois da publicação de Dom Casmurro, com argumentos que condenam Capitu como adultera, Escobar como talarico e Bentinho como corno, e posições que colocam Bentinho como alguém ciumento e com uma imaginação fértil o suficiente para destruir a sua relação e perder a mulher que amava.


A verdade, se é que há alguma, se foi com Machado de Assis.


Outras obras e autores tocaram na questão, O Pagador de Promessas de Dias Gomes, Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado, e mais recentemente, Adultério de Paulo Coelho.


A música popular brasileira também não ficou de fora desse debate sem fim, não importa o gênero musical, possivelmente vai ter alguma canção que fale de chifre e traição. Reginaldo Rossi fez história com o clássico “Em Plena Lua de Mel” com uma moça bonita que ia ver outro rapaz toda vez que o namorado saia. Chico Buarque cantou “Mil Perdões”, te perdoando por te trair. Caetano Veloso foi mais solto em “Nosso Estranho Amor”, e não se importava com quem a amada se deitasse. “O Ipê e o Prisioneiro” de Liu e Léo, um clássico da música sertaneja é uma história triste sobre um homem que assassinou a esposa que o traiu. Tiririca foi mais explícito que todo mundo e escancarou ‘Eu sou chifrudo, mas quem, não é?’. Os Mamonas Assassinas dialogaram com Hamlet de Shakespeare ao cantarem ‘Ser corno ou não ser? Eis a minha indagação’.


Vários compositores escreveram canções sobre traição, com abordagens e toques diferentes, inclusive o sertanejo universitário basicamente só canta sobre isso, tanto que é conhecido por muita gente como ‘música de corno’ por excelência. É difícil encontrar algum cantor desse gênero que não tenha ao menos uma música sobre chifre em seu repertório.


No cinema e na TV, diversos personagens de filmes, novelas, séries, minisséries e programas de humor marcaram época, Marcia e Leozinho eram um dos quadros mais famosos de Zorra Total, onde ela inventava histórias mirabolantes para esconder suas traições. Cornélio era escancaradamente corno em O Cravo e a Rosa. Dora parecia não ter dó de Eurico em O Auto da Compadecida.


Inclusive dizem que o famoso “Ricardão” que empresta o seu nome para talaricos, pés de pano e fura-olhos, era um personagem de “Primo Rico, Primo Pobre”, quadro do programa de humor Balança, Mas Não Cai, veiculado pela Rádio Nacional nos anos 50. Ricardão era o amante da esposa do primo rico. O quadro fez tanto sucesso que gerou releituras do personagem em programas de TV, se popularizando e virando sinônimo de amante.


O fato é que o chifre é algo presente na nossa cultura e história, marcando presença nas leis, na literatura, na música e na teledramaturgia. O que mudou na verdade ao longo dos séculos, foi a forma com a qual a nossa sociedade começou a lidar com essa questão, saindo de um tabu moral punível com a morte, para se converter num acontecimento da vida tratado com humor, deboche e até naturalidade.


VOLTANDO AO BAR DOS CORNOS...


Para quem não conhece, recomendo. Todos são bem-vindos, sendo cornos ou não!

A cerveja é gelada e não é cara.

A culinária nordestina é a especialidade da casa, de modo que, tem Mocotó, Buchada de Bode e Sarapatel todos os dias, exceto na segunda, que não abre.

Para quem gosta de umas canas, tem Pinga de Abacaxi.

Todo sábado é dia de música ao vivo, podendo ser Sertanejo, Forró ou MPB.

E mais importante! Pode falar palavrão!


É um point da comunidade, frequentado por famílias, amigos e colegas de longa data, que procuram o lugar, pelo bom humor do dono, o atendimento atencioso e pela oportunidade de rir de si, da vida e das outras pessoas.


Tem bar chique e caro em qualquer lugar por aí, mas um bar que acolhe os cornos com foco em suas dores e necessidades sentimentais de forma profissional e qualificada, só na República Democrática e Popular do Gama.


Chifre não é coisa séria ou é, não é o fim do mundo, não é asa, segundo alguns nem é nada, apenas algo que colocaram na sua cabeça, então trate com um especialista, pare de arrastar os chifres no asfalto e venha tomar uma no Bar dos Cornos!


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