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UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE O PARQUE ECOLÓGICO DO GAMA

Cerrado, água e mobilização comunitária

Por Juan Ricthelly


Hoje às 19h teremos uma importante Audiência Pública sobre o Parque Ecológico do Gama (PEG), que dentre outras coisas, irá discutir sobre a implantação de uma Escola da Natureza no local, um passo fundamental para a promoção da educação ambiental em nossa cidade.


E acredito que a título de utilidade pública e registro histórico comunitário, é necessário que conheçamos melhor alguns fatos e a história daquele local, que já cumula décadas de luta e reivindicações da comunidade, para que não sejamos reféns de narrativas oportunistas, onde normalmente um político aparece como o grande herói que resolveu tudo, colocando a comunidade e suas lideranças como meros coadjuvantes.


QUADRAS 3,4 e 5 DO SETOR NORTE

A história do PEG está inserida na história do Gama, que faz parte da história de Brasília, para maiores detalhes, recomendo a leitura do material feito em homenagem aos 61 anos do Gama.


O arquiteto Paulo Hungria, em maio de 1960, desenvolveu a planta urbanística da cidade, na forma de colmeia, dividindo-a em cinco setores: Norte, Sul, Leste, Oeste e Central.


O Setor Norte do Gama, foi projetado para ter 5 quadras, somente as quadras 1 e 2 foram consolidadas, ficando encravada em espaço urbano, uma área de 59,2 Hectares com vegetação típica de Cerrado e fitofisionomia de Campo de Murundu.


De acordo com relatos dos moradores que conheceram aquela área nos primórdios da cidade, era um local de terreno alagado e por onde água minava com facilidade, a dificuldade e custo de se construir em terreno brejado foi o motivo da não consolidação das 3 quadras faltantes.


Podemos considerar como documento histórico inicial o Decreto 4.225/78, que aprovou o parcelamento do solo que temos conhecimento para aquela área, sendo sucedido pelo Decreto 8.577/85, que revogou o decreto anterior.


A Terracap alegou durante anos que em razão do Decreto 8.577/85 não ter sido registrado em cartório, prevalece o parcelamento previsto no Decreto 4.225/78, de modo que não reconheciam aquela área como Parque, mas sim como apenas um pedaço de terra como qualquer outro, passível de alienação e especulação imobiliária.


O SEQUESTRO DO ESPAÇO PÚBLICO


Infelizmente a área foi sendo degrada ao longo dos anos, de modo que seis chácaras se alojaram ao norte, onde hoje vivem algo em torno de vinte famílias.


Em 1982 a Loja Maçônica Raimundo Rodrigues Chaves comprou um terreno de 1.250 m², sendo a única ocupante do Parque com escritura e propriedade de fato, sendo importante destacar, que invadiram frações do parque ao longo dos anos, ocupando hoje uma área de 5.000 m², quatro vezes maior do que deveria estar ocupando.


Em 1988, o então governador José Aparecido de Oliveira instituiu o Parque Urbano do Setor Norte do Gama (PUSNG) naquela área por meio do Decreto 11.190/88, embasado pela Decisão nº 41/88 do Conselho de Arquitetura Urbanismo e Meio Ambiente (CAUMA), que contou com a assinatura e participação do grande arquiteto Oscar Niemeyer.


À revelia da moralidade e legalidade, que deve imperar nas ações do Estado com a coisa pública, alguns administradores regionais com visão de curto prazo, pensando de forma puramente eleitoreira, agiram de forma irresponsável, ao ceder de maneira informal importantes frações daquela área para grupos religiosos e algumas entidades, que lá se encontram até hoje.


Em meados da década de 90, uma fração considerável daquela área foi desmatada para dar lugar a um estacionamento para a realização das festividades da FAGAMA e em 1998 as Autoescolas da cidade, juntamente com o DETRAN, começaram a utilizar o local para suas atividades, realizando testes e treinamento na área.


INCOSTITUCIONALIDADE, CONCURSO & COMUNIDADE

Ainda em 1998, o deputado César Lacerda redigiu e aprovou a Lei 1.959/98, que criava o já existente Parque Urbano e Vivencial do Gama (PUVG), eventualmente a lei foi declarada inconstitucional no de 2008 pelo TJDFT por vício de iniciativa, seguindo a jurisprudência consolidada de que somente ato do Executivo pode dispor sobre a ocupação e destinação do solo.


No ano de 2012 a Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal promoveu um concurso público nacional para a criação e o desenvolvimento de um projeto para o Parque Urbano e Vivencial do Gama. Ao todo, sete projetos se inscreveram, nenhum chegou a ser implatado.


Ao longo dos anos, um movimento da comunidade para a implantação efetiva do parque aconteceu, com destaque para o Conselho Comunitário do Setor Norte e o Movimento de Implantação do Parque Urbano e Vivencial do Gama, posteriormente o Fórum Comunitário e de Entidades do Gama, o Gama Verde e outras entidades se tornaram parte desse movimento, marcando presença em audiências públicas, debates e conferências ambientais, sempre levando a perspectiva comunitária para o debate.


Em 2014, o IBRAM realizou uma Consulta Pública Online, onde se resolveu pela recategorização do parque:


“O Parque Urbano e Vivencial do Gama apresenta sua área quase totalmente ocupada pelas fitofisionomias parque de cerrado (murundu) e vereda, conferindo ao local o status de Área de Preservação Permanente (APP) legalmente instituída. Além disso, está muito próximo a quatro APM, reforçando a importância da manutenção destes atributos sensíveis. Recentemente o parque recebeu infraestrutura, viabibilizando seu uso público. Portanto, o mesmo deverá ser recategorizado como Parque Ecológico do Gama.[1]


A mobilização comunitária foi colocada à prova em durante o Governo Rollemberg, sem ela o parque poderia muito bem ter entrado no bolo de imóveis do GDF, que seriam vendidos para quitar dívida com o IPREV[2] em 2016, a comunidade se uniu em torno dessa pauta, se articulou com vários deputados, e o parque foi retirado dessa lista.

No ano de 2017, uma Ação Popular chegou a embargar obras públicas no local, denunciando o absurdo de recursos públicos serem direcionado para a construção de benfeitorias para atividades empresariais de caráter privado, dentro de uma Unidade de Conservação.


Após várias audiências públicas e alguns embates entre a comunidade e as autoridades, ocorridos de forma bastante intensa entre os anos de 2017 e 2018, se chegou a uma proposta de poligonal e minuta de decreto sobre a recriação do parque, sanando as lacunas anteriores, que veio a ser publicado como o Decreto 40.316 de 17 de Dezembro de 2019.


Obviamente que o autoproclamado deputado do Gama tentou tirar uma casquinha, se pintando como o herói que resolveu a questão, sendo devidamente respondido[3]. Quem é de verdade, sabe quem é de mentira, um simples Google ou busca no Facebook sobre o PEG é capaz de demonstrar quem foram as pessoas e entidades que levaram essa luta adiante e a sustentaram.


CERRADO & ÁGUA


O PEG é uma típica área de Cerrado que compreende em sua poligonal uma fração importante de uma fitofisionomia conhecida como Campo de Murundu (Campo Cerrado), que são micro topografias circulares ou elípticas presentes nas vertentes e nas cabeceiras de drenagem, que permanecem temporária ou permanentemente alagadas pelas águas da chuva e pelo nível do lençol freático, e com a presença de micro relevos internos. Estão amplamente distribuídas nas formações savânicas do Cerrado.


São áreas importantes por prestarem inúmeros serviços ambientais, tais como: agregar fauna e flora endêmicas, estocar e regular o fluxo hídrico na bacia hidrográfica, filtrar e reter sedimentos e contaminantes, possuir intensa atividade biológica, estocar carbono, entre outros.


A área do PEG é como uma grande esponja natural a céu aberto, que absorve as águas da chuva e abastece os lençóis freáticos, sendo fundamental para o processo de recarga da bacia hidrográfica, ainda mais em uma situação de crise hídrica.


De acordo com dados fornecidos pela Agência Nacional de Águas (ANA), nos últimos 20 anos, choveram em média 29.042,2 mm no DF. Isso por metro quadrado.


O PEG tem uma área total 592.000 m², então multiplicando a área pelo índice acumulado de chuva dos últimos 20 anos, temos a incrível cifra de 17.192.982.400 de litros de água que caíram por lá.


Agora imaginem o impacto que a impermeabilização total daquela área teria causado para a bacia hidrográfica da região, litros de água teriam sido impedidos de chegar ao solo, sendo escoados para a cidade em forma de enxurrada.


Para se conhecer um pouco melhor a respeito dessa microbacia e o porquê da importância da preservação das áreas de recarga e margens desses cursos d'água, é um importante fazer um esforço para vislumbrar o seu alcance.


A área do PEG faz recarga de nascentes próximas e do Córrego Serra, seguindo seu curso até desaguar no Ribeirão Ponte Alta, este segue até o grande Rio Corumbá, afluente do Rio Paranaíba, este irá desaguar suas águas no 2º maior rio da América do Sul e 7º maior do planeta, o Rio Paraná, que por fim chega ao mar pela foz do Rio da Prata entre o Uruguai e a Argentina.


A área do PEG, apesar da degradação ainda é um importante local que possibilita a existência de flora e fauna do Cerrado.


E é importante destacar que de acordo com o trabalho acadêmico "Avaliação da qualidade fisiológica e caracterização morfológica das sementes de duas espécies nativas do Cerrado"[4] é um dos únicos lugares conhecidos onde é possível encontrar espécimes de uma planta ameaçada de extinção, conhecida como Mimosa heringeri.


A Mimosa heringeri é uma espécie pertencente à família botânica das Fabaceae (Leguminosa), é uma arvoreta com a copa bastante ramificada e chega a atingir uma altura de até 4 m, floresce entre os meses de março a julho e frutifica entre os meses de maio a agosto; suas folhas são bipinadas contendo 3 a 4 pinas (GIULIETTI et al., 2009). Suas flores variam entre as cores brancas e róseas e são em formato de glomérulos.

De acordo com Simon e Hay (2003) essa espécie pode ser uma população relíquia do ancestral comum geral de outras mimosas estudadas, que no presente sobrevive no habitat marginal e incapaz de expandir sua distribuição geográfica.


A Mimosa heringeri é essencialmente restrita ao Parque Ecológico do Gama (52,9 ha) e áreas adjacentes, sendo que a expansão urbana é uma grande ameaça a esta espécie. Mesmo dentro da reserva ecológica, esta espécie não está protegida, devido à ausência de uma estrutura adequada de proteção do local (SIMON; HAY, 2003).


Devido à sua restrição de ocorrência, a espécie M. heringeri está na Lista oficial da flora brasileira ameaçada de extinção e no Livro Vermelho da Flora do Brasil que conceitua “ameaçada de extinção” como sendo aquelas com alto risco de desaparecimento na natureza em futuro próximo, reconhecidas pelo Ministério do Meio Ambiente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Nos últimos anos, o PEG talvez tenha sido a pauta comunitária que mais recebeu atenção do Poder Público por meio de Audiências Públicas, sendo elas:

Maio de 2015 - Deputado Joe Valle

Maio de 2017 – IBRAM

Abril de 2018 – IBRAM


E só nesse mês, teremos ao menos duas. Hoje (03/11) às 19h teremos uma Audiência Pública Virtual, promovida pelo Deputado Eduardo Pedrosa, e dia 23/11 teremos outra, promovida pela Deputada Júlia Lucy.


De 2015 até aqui, foram ao todo 5 Audiência Públicas, somente sobre o PEG, o que é bastante positivo por um lado, demonstrando interesse da comunidade e das autoridades em encontrar soluções para a questão, por outro, é bom relembrar que temos mais duas Unidades de Conservação na cidade que também precisam de atenção, o Parque Distrital do Gama, um dos mais antigos do Distrito Federal, carinhosamente chamado de Prainha, que chegou a ter uma audiência pública em Maio de 2016 por meio do Deputado Delmasso, e o Parque Ecológico Ponte Alta do Gama, o maior em área (136 ha), que vem sendo alvo massivo de invasões que ameaçam a sua existência.

Desse modo, é importante que comecemos a também olhar para os outros parques, antes que seja tarde para fazer qualquer coisa a respeito.


Em relação ao Parque Ecológico do Gama, com a parte legal resolvida, a poligonal finalmente definida, devemos nos voltar para três pontos fundamentais para a sua consolidação definitiva:


1. O Plano de Manejo, que é o documento técnico que tem o propósito de definir o cumprimento dos objetivos estabelecidos na criação, manejo e orientando da gestão da Unidade de Conservação

2. Conselho Gestor do Parque Ecológico do Gama com participação da comunidade;

3. Escola da Natureza como instrumento de promoção da Educação Ambiental.


“Diz que ama o Gama, mas não sabe que o coração do Parque também pulsa!”

Mario Salluz

[1] Parecer Técnico nº 500.000.001/2014 [2] http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2016/10/camara-aprova-venda-de-imoveis-para-quitar-r-12-bilhao-do-gdf-com-iprev.html [3] https://www.facebook.com/838355709594345/videos/442789883066527 [4]GARCIA; J.P. Título: Avaliação da qualidade fisiológica e caracterização morfológica das sementes de duas espécies nativas do Cerrado. Universidade de Brasília. 2013

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