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O MEU PRIMEIRO PROFESSOR DE VIOLÃO

In Memoriam a Lamartine Santos


Algumas pessoas sabem, mas não muitas, que aprendi a tocar violão motivado por um sentimento de pura inveja. Na época do ensino médio tinha dois amigos, que ainda tenho, que tocavam relativamente bem na hora do intervalo e nos horários vagos, as moças ficavam ao redor, e um ambiente gostoso se formava ao redor do violão e ao som das músicas.

Eu não sabia tocar e nem cantar, a única coisa que sabia fazer era o solo completo de ‘Californication’ do Red Hot Chilli Peppers, que depois de tocado lá pela terceira vez, todo mundo perdia o interesse.


Então com o meu salário de estagiário na Promotoria de Justiça do Gama comprei o meu primeiro violão parcelado no cartão de um tio, e comecei a tentar aprender sozinho, sem professor mesmo, pelo CifraClub e com dicas de amigos que já tocavam.


O violão era de aço, arrebentava a cabeça dos meus dedos, as pestanas doíam pra caralho, eu não conseguia tocar e cantar ao mesmo tempo, e era um nitidamente desafinado... Mas depois de algum tempo a coordenação motora começou a chegar, e a primeira música que aprendi foi “Garotos” do Leoni.


Me recordo que um dia li um anúncio na porta da escola sobre um curso de violão curto, com uns dois meses de aula, pela manhã, nos finais de semana, lá no antigo fórum, perto da rodoviária, e o melhor, de graça!


E ali, junto de outras pessoas de todas idades, lugares e níveis de musicalização distintos, tive o meu primeiro professor de violão, um cara maravilhoso, de sorriso fácil, extremamente paciente para ensinar, didático ao explicar e com a capacidade de fazer música com os elementos do ambiente.


Certa vez ele botou todo mundo da turma, umas 20 pessoas para emitirem sons aleatórios, colocou ordem naquela anarquia sonora e transformou aquele caos em algo belo e único, como se fosse um instrumento musical novo, feito dos sons dos corpos de pessoas diferentes.


Cada aula era divertida, o que facilitava o aprender, todo mundo observava hipnotizado cada ensinamento, e ele alternava esses momentos de aprendizagem coletiva com a atenção que dedicava a cada aluno individualmente, compreendendo e trabalhando suas debilidades e forças.


Com ele tive a minha primeira aula de teoria musical, aprendi sobre a escala natural e sua lógica aplicada ao violão, e adquiri uma admiração por sua musicalidade que mesmo anos depois, ainda segue viva, mesmo que infelizmente ele tenha partido ontem a noite.


O resultado final de todas aquelas aulas seria uma apresentação da turma em público no auditório do Centro de Ensino Especial do Gama, eu nunca havia me apresentado em público, eu só sabia tocar Garotos, travando, errando vários acordes no caminho e tinha muito medo e vergonha, e mesmo assim ele deu um jeito de trabalhar com isso, me colocou num quarteto com um rapaz que cantava e duas moças lindas que nunca mais vi depois daquele dia, cada um cantaria um trecho, eu faria o violão e também cantaria.


Chegou o dia da apresentação, nervosismo nas alturas, auditório lotado, quarteto alinhado depois de vários ensaios, eu era nitidamente o mais nervoso dos quatro, o meu professor e todo mundo tentava me manter calmo, me estimulavam a acreditar no meu potencial e que tudo ia dar certo.


Aquela noite foi a minha primeira vez diante de uma plateia, apesar de alguns erros e desafinos, não foi uma apresentação ruim, depois disso, muitas outras apresentações, aprendizados, músicas e momentos ao redor de um violão vieram, de lá pra cá já se vão quase uma década e meia.


Esbarrei com o meu professor algumas poucas vezes depois disso, e toda vez que o via, me recordava com carinho de tudo isso, de como ele me ajudou a dar os meus primeiros passos, mantivemos uma amizade virtual e acabei por conhecer dois de seus irmãos, agentes culturais formidáveis de nossa comunidade, que admiro e respeito profundamente.


Ontem eu soube de sua partida, não acreditei quando li que o meu professor Lamartine já não estava mais entre nós fisicamente, só consegui me sentir triste e buscar algum consolo ou sentimento bom nesse torvelinho de lembranças guardadas em algum lugar da minha mente…


Sou ateu, mas uma parte de mim não consegue abrir mão da metafísica, sempre me pego perdido em meio à pensamentos e reflexões metafísicas, e quando isso se une à música ou à poesia… sou completamente devorado pela introspecção, e como resultado disso, eu acredito sinceramente que músicos não morrem de verdade, pois seus acordes, vozes e sons seguem ecoando mesmo depois de décadas e séculos, e suas vidas são como uma canção que tocou a alma, o coração e as vidas de quem eles encontraram pelo caminho.


Vai em paz Lamartine! Vai em paz meu mestre! Que o seu som siga ecoando pela escala natural infinita do universo!

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